Após inúmeras
tentativas para resolver um problema recorrente em sucessivas estações chuvosas,
resolvi abrir uma janela na parede lateral para o forro da casa. Para descobrir
sob o telhado por onde misteriosamente entrava água das chuvas, principalmente
das torrenciais que reativavam antigas goteiras na laje. Uma pingadeira sem fim
que nenhum especialista em telhados conseguia solucionar. Aberta a janela,
viu-se onde estava o problema e pronto: até aí solucionado. Veremos mais
adiante. Descobriu-se também sobre a laje
muito entulho acumulado. Cacos de telha e pedras ali deixados em outras vezes.
Isso era outro problema: Como descartá-lo, se os contêineres da prefeitura
sumiram dos pontos de coleta nas ruas?
Picota
apresentou-se para o serviço. Depois de examinar o entulho, deu o preço: retiro
tudo por oitenta reais. Oitenta? Repliquei surpreso. É muito entulho, patrão,
ele rebateu. Além disso, tenho que descartar em lugar certo, senão apreendem
meu carrinho, que é meu ganha-pão. Sessenta não paga? Foi minha contraproposta.
Ele coçou o queixo e concordou: Tá bem.
Uma
hora depois e o entulho no mesmo lugar. No dia seguinte Picota alegou que não
faria o serviço, estava indisposto, dor no estômago. Para mim a situação complicou-se,
outros carreteiros cobraram-me mais. Falei a Picota que concordava em pagar-lhe
os oitenta reais que ele havia pedido inicialmente. Ele aceitou para no dia seguinte
fazer o serviço. Veio mesmo. Antes de começar, falou: – Patrão, eu vou fazer
este serviço sozinho, só por um motivo. Meu neto faz aniversário no dia de
natal. Preciso de dinheiro para comprar o presente que ele quer. Ninguém quis
me ajudar, mas faço assim mesmo, sem ajuda. Só para dar alegria a meu neto.
Como se chama teu neto? Perguntei. Será Natalino? Ou Jesus? Falei em tom de
brincadeira. Não, respondeu-me Picota, o nome do meu neto é Caleb. Nome bíblico.
Sim, respondi, é verdade.
Picota começou
a recolher o entulho em seu carrinho. Demorou pouco e já retornava pela
terceira vez. Pareceu-me cansado. Falou-me que faria uma pausa, voltaria mais
tarde. Seu carro de duas rodas não comportava muita coisa e ainda havia muito
entulho para levar. Horas depois voltou com um rapaz para ajudá-lo. Cada vez
que o carro ficava cheio e pesado vinha-me no pensamento o esforço daquele
homem magro e de baixa estatura, parecia até não habituado a serviço pesado. Onde
encontrava Picota tanta reserva acima do normal de suas forças? Supria-se daquela
vez pelo amor ao neto, Caleb. De jeito
nenhum seu avô o deixaria sem o sonhado presente, um valendo por dois coincidentes,
duas alegrias num dia só, o aniversário de Jesus, também de Caleb.
Não duvidei do
motivo de Picota. Era de fato muito entulho a exigir muito esforço de um
pequeno homem que à minha vista fortalecia-se como o bíblico Sansão. Esse seria
seu nome escondido no vulgo Picota. Por isso resolvi acrescentar mais vinte
reais ao preço acordado pelo serviço. Ao fazer o pagamento disse eu: Este
acréscimo é minha parcela de contribuição para o presente do teu neto. Feliz
Natal para ti e para o menino. Picota sorriu, desejou-me o mesmo, agradeceu,
pegou o dinheiro e sumiu. Pelo resto do dia eu imaginei os olhos de Picota a
brilhar sobre Caleb, agarrado ao seu presente de Natal.