sábado, 18 de janeiro de 2014

O Natal De Caleb - Crônica de Luiz M F Maia


O Natal De Caleb
Após inúmeras tentativas para resolver um problema recorrente em sucessivas estações chuvosas, resolvi abrir uma janela na parede lateral para o forro da casa. Para descobrir sob o telhado por onde misteriosamente entrava água das chuvas, principalmente das torrenciais que reativavam antigas goteiras na laje. Uma pingadeira sem fim que nenhum especialista em telhados conseguia solucionar. Aberta a janela, viu-se onde estava o problema e pronto: até aí solucionado. Veremos mais adiante.  Descobriu-se também sobre a laje muito entulho acumulado. Cacos de telha e pedras ali deixados em outras vezes. Isso era outro problema: Como descartá-lo, se os contêineres da prefeitura sumiram dos pontos de coleta nas ruas?
                Picota apresentou-se para o serviço. Depois de examinar o entulho, deu o preço: retiro tudo por oitenta reais. Oitenta? Repliquei surpreso. É muito entulho, patrão, ele rebateu. Além disso, tenho que descartar em lugar certo, senão apreendem meu carrinho, que é meu ganha-pão. Sessenta não paga? Foi minha contraproposta. Ele coçou o queixo e concordou: Tá bem.
                Uma hora depois e o entulho no mesmo lugar. No dia seguinte Picota alegou que não faria o serviço, estava indisposto, dor no estômago. Para mim a situação complicou-se, outros carreteiros cobraram-me mais. Falei a Picota que concordava em pagar-lhe os oitenta reais que ele havia pedido inicialmente. Ele aceitou para no dia seguinte fazer o serviço. Veio mesmo. Antes de começar, falou: – Patrão, eu vou fazer este serviço sozinho, só por um motivo. Meu neto faz aniversário no dia de natal. Preciso de dinheiro para comprar o presente que ele quer. Ninguém quis me ajudar, mas faço assim mesmo, sem ajuda. Só para dar alegria a meu neto. Como se chama teu neto? Perguntei. Será Natalino? Ou Jesus? Falei em tom de brincadeira. Não, respondeu-me Picota, o nome do meu neto é Caleb. Nome bíblico. Sim, respondi, é verdade.
Picota começou a recolher o entulho em seu carrinho. Demorou pouco e já retornava pela terceira vez. Pareceu-me cansado. Falou-me que faria uma pausa, voltaria mais tarde. Seu carro de duas rodas não comportava muita coisa e ainda havia muito entulho para levar. Horas depois voltou com um rapaz para ajudá-lo. Cada vez que o carro ficava cheio e pesado vinha-me no pensamento o esforço daquele homem magro e de baixa estatura, parecia até não habituado a serviço pesado. Onde encontrava Picota tanta reserva acima do normal de suas forças? Supria-se daquela vez pelo amor ao neto, Caleb. De jeito nenhum seu avô o deixaria sem o sonhado presente, um valendo por dois coincidentes, duas alegrias num dia só, o aniversário de Jesus, também de Caleb.
Não duvidei do motivo de Picota. Era de fato muito entulho a exigir muito esforço de um pequeno homem que à minha vista fortalecia-se como o bíblico Sansão. Esse seria seu nome escondido no vulgo Picota. Por isso resolvi acrescentar mais vinte reais ao preço acordado pelo serviço. Ao fazer o pagamento disse eu: Este acréscimo é minha parcela de contribuição para o presente do teu neto. Feliz Natal para ti e para o menino. Picota sorriu, desejou-me o mesmo, agradeceu, pegou o dinheiro e sumiu. Pelo resto do dia eu imaginei os olhos de Picota a brilhar sobre Caleb, agarrado ao seu presente de Natal.

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